terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Ciclo II - Melanocetus sp.

Texto inspirado no singular ciclo de vida do macho do peixe-pescador Melanocetus sp. Este peixe, que habita a zona abissal, apresenta enorme dimorfismo entre a fêmea e o macho, sendo este bem menor que ela. A fêmea apresenta um apêndice de luz, que atrai presas, e também o macho. Este se fixa nela, mescla seu intestino com o dela, fecunda-a, e se alimenta de nutrientes do sangue da própria fêmea, até a morte.

Fiquei obcecado por essa sua luz. Eu circulava sem propósito neste breu que todos pensam ser um caldeirão de vida. Aqui só há escuridão, e solidão. E eu já tinha aprendido a viver assim até ver seu apêndice fótico. Me fascinou, e percebi que não tinha outro motivo para circular pelo mundo a não ser encontrá-lo. Agora estou louco. Obcecado. Cego. Sua luz é, literalmente, o unico ponto que consigo enxergar. Por isso eu o sigo.
Deixe-me entrar em você. Deixe-me beber do seu sangue. Deixe eu me agarrar em sua carapaça e não largar nunca mais. Vamos comer juntos. Vamos morrer juntos. Minha semente escorrerá para seus âmagos e aí seremos uma nova criatura. Meu genoma se encontrará com o seu, e seremos apenas um. Para todo o sempre. É o nosso destino.

Eu te suplico, não se canse de mim. Não tente buscar outros sabores, porque eu simplesmente sinto os sabores amargos que você deixa como resto. Estou condenado a ser a sua sombra e comer as suas migalhas até o fim dos dias, então, por favor, tenha paciência. E eu te invejo por conseguir ser tão independente, enquanto minha vida se resume a ser em função da sua, mas não me importo mais. Eu te amo tanto que terei prazer em ser arrastado para o limbo por você quando se for, mesmo que quando EU me for, serei apenas mais um pedaço de pele para você. Descartado e substituído. Correntes marítimas me trouxeram o recado de que é ruim ter um amor tão singular, mas sei que simplesmente nasci assim. Nasci pra te amar, me fundir a você, e morrer. Morrer quando você quiser.