terça-feira, 18 de junho de 2013

Ciclo III - Metalinguagem



Agora eu estou assim. Transformando em sentenças, nem sempre de fácil entendimento, aquilo que mexe com os estratos do meu espírito. Materializando sentidos em palavras e jogando-as ao vento para serem levadas e chegarem aos olhares de quem há de me entender. Apontando um lápis, ou tirando a tampa da caneta, e fazendo do grafite ou tinta meus mais íntimos amigos, que falam por mim as felicidades, os temores, as dores, as empolgações, e as quedas que me deparo pelo caminho.

Caminhei bastante para chegar até este ponto. No pico desta montanha imaginária, olho ao redor e vejo os vales de incertezas que me motivaram a arriscar subir ao topo e permanecer firme durante a escalada. Se eu ficasse de pés no chão ao invés de encarar a montanha, teria a segurança de nunca cair, mas nunca a recompensa de ver o mundo daqui do alto. Muito me martelaram, muito me lapidaram, muito me abriram, para que eu aprendesse a andar. Já que andei, agora preciso gritar ao tempo que sobrevivi e sinto-me apto para novos dias. 



Recupero na escrita partes de minha essência a qual às vezes me esqueço da coexistência; e quando dou pela falta, temerosamente julgo tê-las perdido para sempre. A parte que fala pouco, mas sente muito. A parte que se mostra ao mundo sob uma máscara instrospectiva, mas que fervilha de pensamentos e é capaz de implodir caso lhe seja negado o direito de resposta. Alivio-me por saber que elas ainda existem. Na verdade, minto quando digo que achava que estas tinham morrido. Ouvia eu seus roncos, frutos de uma grande hibernação, mas eu permanecia ansiosamente consciente de que uma vida existe para trazer esses lados à superfície, cedo ou tarde. Senti falta, e espero que o remanso que calou tal vozes chegue com menos intensidade desta vez.

Neste instante, sofro com a pressão de dar um bom final a um texto que não consigo ver em que momento começou. Se não consigo definir a largada de minha ideia, julgo não ter cabimento querer botar um ponto em algo que é ciclo e pertencente às regras do sem-fim. Melhor entregar a ultima frase de susto,  assim, como um pensamento que acaba e nem se percebe quando ocorreu. Os meus estão bombardeados de cores e formas abstratas, e teimam em não cooperar com a coerência em serem traduzidos para este plano. Decreto a minha falha, mas não a desistência. Pois agora aprendi a falar e há uma vida inteira lá fora aguardando a minha expressão.

Ciclo III - Mágoa



Passo a acreditar que te negaram o acalentador leite materno no berço de sua negra história, e no lugar, bebeste fel. Pois foste contaminado em algum momento com o amargor do mundo, e agora seu hálito cheira a inveja, a rancor e a negatividade. Não satisfeito em manter para si esta aura de cores escuras, tentas contaminar eu e ao mundo com suas ideias infelizes. E eu me nego a participar de tal incoerente farsa. As cortinas se fecham, e permaneço na plateia, apenas alheio. Ou assim eu pretendia. Calúnia é a palavra da vez. Rapidamente tu me enxergas na multidão e tenta me trazer ao palco. Apenas tenta. Não te atrevas a tentar novamente!

Se diz iluminado, mas é capaz de enegrecer até o mais alvo olhar infantil com a sua noção ferina. Se diz glorificado, mas o seu lado cruel está tão exposto e vivo que consegue escalpelar de mim as camadas mais sombrias, deixando-as igualmente expostas e vivas, e infelizmente, livres para devolver reciprocamente a carga negativa que as agitaram. Sinto daqui o seu perfume, que me causa ânsias, e a qual eu preferia cheirar enxofre a ser obrigado a recordar que tal aroma existe; que me traz na memória a tua inveja perante os amigos conservados e a uma estabilidade; o teu ódio, até então não justificado e fruto de alguém que prefere a guerra à calmaria; a tua imposição, ideia fútil de que exerces algum tipo qualquer de influência, mal sabendo tu que tuas ideias erradas são motivo de risos e exemplos de caminhos a não se seguir.


Deveria eu congratular-te por ter tido a capacidade de abalar o meu juízo a ponto de me fazer colocar no papel as pronuncias dessa tempestade; poucos o conseguiram. Agora tenho consciência de que raivas também me fazem extravasar as palavras para que eu fique oco, como os teus argumentos. Não é mesmo fácil uma pessoa perder a expectativa de meu perdão no horizonte, ganhando, ao invés desse ímã de boa energia, desprezo e o desejo de uma presença dolorosa no lugar de apenas ausência.

Obrigado por ser um espelho retalhado e manequim vivo da alma a qual não quero, sob hipótese alguma, encontrar pontos em comum com a minha. Pude notar em quais buracos tropeçaste, olhando eu atentamente e pulando-os ao por eles passar. Se eu soubesse anteriormente com o que estava prestes a lidar, teria eu , naqueles dias em que te vi tropeçar, feito questão de passar indiferente do outro lado da rua no lugar de inocentemente oferecer-te a mão como anteriormente fiz. Mas já que o fiz, não devo eu lamentar-me, e sim retirar, se possível, o mel que resta no meio desse piche. Porque até com a mais vil das víboras extrai-se um aprendizado: nesse caso, a cultivar no coração uma mágoa de estimação.

Ciclo III - Até



Haverá o dia em que abrirá para mim um espaço no meio de tal densa névoa para deixar passar os raios de sol que me curarão da cegueira histérica a qual fui acometido e acostumado. Não precisarei mais tapar o rosto para me proteger da saraiva, pois este será o dia de minha redenção e festejado apenas com paz. Livre dos medos dos caminhos foscos, e certo quanto ao incerto, pingarei o ponto final de meu prólogo para começar a escrever a primeira frase do primeiro capítulo da saga que hei de clamar como minha. Nesse tempo, ascenderei ao topo, despido e limpo da fuligem que se acumulou no bolso do meu viver, pois não mais me preocuparei em carregar os fardos de ter que ser; apenas em ser.

Até lá, eu vou rolando em queda livre; aceitando a decadência; arruinando meu corpo; despetalando meu futuro; ignorando os meus amparos; rejeitando as mãos estendidas; desdenhando de minha matéria; dormindo com hostis; colecionando contradições; omitindo opiniões; me disfarçando de pessoa em pessoa como em um show de máscaras, esquecendo no meio do trajeto qual delas é a minha de nascência. O corpo encontra-se em dormência, e a alma em rigidez.


Chegará o dia em que virá até mim em forma de homem a pele quente que trará junto um calor como se fosse o próprio sol, que derreterá os meus anseios juntamente com o gelo desse aposento frio que se formou e eneva a minha alma. Tocarão nas minhas linhas mãos enrugadas e calejadas de tanto trabalhar e viver em cima das experiências dessa vida que mais mata que felicita, mas ao mesmo tempo serão mãos que oferecem conforto e paciência para um espírito banhado de inquietude e que transborda pela boca desconfiança na vida real e ilusões de um futuro melhor, mesmo sabendo que a ideia em si já pode ser considerada uma ilusão. Nessa hora, perderei o medo adquirido por ilusões, pois não mais temerei estar vivendo uma coisa real.

Enquanto isso, continuarei optando por trilhar os caminhos pedregosos; aprendendo mais coisas ruins que boas; tapando os ouvidos, fechando os olhos, e me calando diante da razão; despaginando  as chances; desassinalando as opções; limitando as escolhas; cavando minha caverna; me escondendo do mundo; desvencilhando de terceiros; escolhendo sempre um novo costume ao sair à vista dos demais, esquecendo no meio do caminho como é estar nu e livre do peso de ter que ser alguém. O corpo está em letargia, e a alma em frigidez.