sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Ciclo I - Conflitos

Darwin, citosol, criptógamas, agádoisó...as vezes vem o desejo de jogar tudo isso pro alto. Esquecer o consciente, e deixar falar apenas a alma. Parar de pensar em processos, e focar em personagens. Mas o que fazer com o futuro quando se é possível a construção de uma sina na Ciência, mas a indiferença em relação a ela é diretamente proporcional? É contraditório você respirar ciência a maior parte do dia, mas ao mesmo tempo não se importar nem um pouco com o neurotransmissor que o botão terminal libera para gerar a contração muscular? É desesperador quando você escreve textos e poesias enquanto deveria estar a ouvir o mestre descrever a produção de corpos cetômicos? Sim, é contraditório. Mas não desesperador. Dizem por aí tanto sábios quanto amadores, em outras palavras, que a vida em si é uma contradição, com bifurcações em todo o tempo. Hoje eu tenho dúvidas. Amanhã terei certezas. Ou talvez no dia seguinte.


Então o que escrevo vale para hoje (ou não): eu não me sinto um cara da Ciência. Eu não orgulho quando alguém fala "em nome da ciência"; indiferença é a voz mais alta. Admiro as grandes mentes que dedicam sua vida à mãe-natureza, mas sei que elas devem ter orgulho de si mesmas. O que eu sentiria se eu descobrisse uma nova espécie de cianobactérias? Acho que não a tão buscada realização pessoal. Não culpo a Ciência, mas a mim. Só acho pessoas mais interessantes. Não nossos eritrócitos, mas sim nossos vicios, nossas virtudes, nossos erros, nossas almas. Complexidade é fascinante. Aquele vizinho aposentado da porta da frente que ninguém visita pode ser no íntimo, um exímio poeta. Einstein podia ser um ótimo cantor, usando o chuveiro como prática. Ou não. Talvez ele tivesse nascido para a ciência mesmo! Será que eu nasci? Ciência, devo te amar ou te largar? Admito que muitas vezes penso na segunda opção, mas terei eu senso para perceber que estou errado? Ou coragem para defender minha tese e te largar de vez?

domingo, 14 de novembro de 2010

Breve Comentário

Uma hora já se foi, e dezenas de mortes já pontuam a superfície terrestre neste dia que acaba de começar. Em algum lugar, já devem ter pessoas chorando a perda de seus parentes, filhos ficando órfãos, mulheres ficando viúvas. Em algum canto, uma mulher acaba de abortar o tão esperado filho que seria o futuro presidente da nação, ou capitão do time de futebol. Hoje, alguém será brutalmente espancado, outro será humilhado, um terceiro sentirá a dor de um tiro antes de sucumbir. Talvez alguém morra de fome. Talvez uma menina seja estuprada. Meu deus, tanta coisa ruim pode acontecer ao ser humano enquanto exposto ao mundo. As sensações dessas pessoas certamente são sensações que eu nunca experimentei antes. Mesmo assim, numa enorme onda de egoísmo humano, eu não consigo parar de me sentir o pior dos seres por ter marcado "47" ao invés de "74" no gabarito do vestibular. Por quê...por quê...?

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Ciclo I - Mabel

Boneca solitária, o que fazes o dia todo? Pensas no mundo, ou somente em você? Lamentas a sua triste sina de solidão, ou está resignada com este destino que já veio pré escrito quando foste feita? Teu olhar enigmático me fita toda vez que passo por essa prateleira, independente de momento. Dando-me dicas sobre você? Te direi o que penso de ti: sei que deve sentir saudades de dedos te tocando, alisando teu cabelo, te tratando como um brinquedo e ao mesmo tempo como humana. Sente saudade de quando sua tarefa era fazer os outros felizes, e deve sentir saudades também dos sorrisos que provocava no rosto de minha irmã, e na minha mãe, e na minha avó.

Boneca solitária, tu és velha. Com rostinho de menina, corpo de infante e roupa floral - deves até ter tido cheiro de morango - tu já viu muito mais coisas do que minha própria geração. Deveria isso ter algum valor? Não tem. Com toda experiência, continua sendo você que está em um canto, não eu. Mas eu tenho pena de ti. E quero te dar mais um dia de vida. Para que possas descansar com uma lembrança recente de felicidade. Será que alguém fará o mesmo por mim quando chegar a minha vez?



Te chamo de Mabel, pois você tem cara de Mabel. Vi em ALICE, e gostei. Te jogo para o alto, e você volta penetrando minha imaginação. Cansado de pensar, adormeço, e sonho contigo. Não és mais uma boneca internamente enrugada. Lentamente, tu se transforma em uma linda mulher, que vem dançar comigo implorando por amparo. No seu olhar castanho ainda consigo perceber todo o dano que este anos de desprezo lhe causou.Tu encostas sua cabeça no meu ombro, enquanto valsamos uma marcha de formatura. Eu queria sentir amor por ti, mas só consigo sentir pena. E medo, de algum dia estar no seu lugar.

Boneca solitária, seu corpo está em pedaços. Oh, Mabel, sua tinta já se foi. Seu cabelo já desbotou. Sua roupa está suja. Tu jazia esquecida, numa prateleira de quartinho trancado no segundo andar. Então, me deixas o mistério. Porque mesmo depois de tantos infortúnios, tu ainda estampas este sorriso? Porquê fostes feita para isso, ou porquê tem esperança de que voltarás a ter importância na vida de alguém?