quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Ciclo III - Manifesto

Se as palavras mentem, eu vos digo: os olhos também. A boca engana em proferir vocábulos de tranquilidade, de constância e esmero. Os olhos enganam ao insistirem em permanecer tão secos quanto o estado da alma a que serve de espelho. Por eles saem olhares de camuflagem, para esconder do mundo a fragilidade da pessoa em questão; saem olhares de cansaço, ante ao tempo desprovido de eventos fascinantes que os façam brilharem de fascinação; saem olhares sem vida, para evitar indagações e interesse de terceiros. Só não saem as lágrimas.

E é neste ponto que os olhos incitam a sua pegadinha e enganam os outros. O público clama pelas lágrimas. Elas revelariam o furo do poço de insensibilidade que os olhos deixam transparecer. Levaria a um auge de tristeza, trazendo a tempestade que antecede a bonança. Iria levar embora as coisas sujas, ficando apenas os remorsos e a vontade de consertar as coisas. Renovaria as esperanças perdidas de haver uma mina de sensibilidade por trás de toda a aparente frieza.

Mas não é o que acontece. Os olhos são, além de mentirosos, orgulhosos. Já até se esqueceram de como é chorar. A aparência continua fria e indiferente, aos olhos dos outros, como uma armadura externa que protege o mundo exterior do espírito colidente e contraditório que ali jaz. Enquanto os olhos não choram, nunca há a real certeza de que algo está errado. A fonte seca, as lágrimas petrificam juntamente com o coração, e todo o resto continua em enganação. E assim corpo e mente continuam no inútil jogo de fingir pro mundo que tudo está bem.


Sincero é o corpo, que pede cama quando se depara com mais um dia cinzento e rotineiro, já sabendo que não terá energias para suportar aquilo mais uma vez. Sincero é o sono, que pede sonhos como escape quando o mundo te decepciona. Sinceros são os braços, que permanecem quietos e sem expectativas quando percebem que não há pessoas ao redor para um revitalizante abraço. Sinceras são as cicatrizes, externas ou internas, que cantam constantemente a sinfonia de dor passada, te impedindo de cair no conto dos velhos erros. Sinceros são os outros, que se calam e fingem ler nos seus olhos alegria e satisfação.

E quem mais mente na história é você mesmo. Se olha no espelho, diz que naquele dia tudo será diferente, que você sair de casa, sentir o calor do sol e se alegrar com isso, vai rever velhas pessoas e elas lhe trarão o conforto que você precisa; mas aí se lembra que não gosta de sol e que as pessoas trarão cobranças, conflitos e julgamentos no lugar de interesse . Então qual é o sentido? Sinceridade no corpo e mentira nos olhos, melhor continuar se escondendo do mundo mesmo. Com pesar, porém sem lágrimas.