quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Ciclo III - Paris


Um dia vou dar Paris à minha mãe. Desde a minha infância recordo-me de cenas dela imaginando como é o cheiro de lá. Ela ouve os carros de Paris passando debaixo do Arco do Triunfo, sente seus pés cansados de tanto andar pelos corredores da clássica coleção do Louvre. Se imagina dando rodas, olhando as árvores de lá, as madames, os músicos na esquina tocando "Berceuse" (mesmo que ela nunca tenha ouvido Berceuse). Ela se imagina sendo obrigada a pronunciar um bom Merci Beaucoup nos grandes restaurantes da alta culinária, comendo ratatouille e bebendo um bom vin. Ahhh, como ela sonha. Desde criancinha eu lembro dela falando de Paris pra mim. Lembro até o dia que ela pediu folga pro trabalho para assistir "Passaporte Para Paris" comigo.

O problema  é que minha mãe na verdade não quer ir para Paris. Ela morre de medo de avião. Acha que vai olhar as nuvens e desmaiar achando que o céu está caindo em cima dela. Tem fobia de altura. Ao mesmo tempo ela vai que não vai para Paris porque se acha indigna de se dar ao luxo de viajar para o exterior. Algo em sua alma se encravou desde a mocidade, um estigma que a diz no ouvido que ela nasceu para viver pelos filhos. Ela não quer ir para Paris, mas quer que seus filhos consigam ir para Paris. Desde aquela propaganda que entoava "os seus avós fizeram tudo que puderam para dar aos seus pais aquilo que eles não tiveram...os seus pais fizeram..."  ela não conseguiu retornar ao estado de antes. Fará tudo que puder pela para mandar sua prole, e mais ainda.


Mas os filhos não querem ir para Paris. Assim como os seus avós também não queriam ir para Paris. Meus avós queriam ir para Salvador, e conseguiram (ou tentaram ao máximo) mandar meus pais para lá. Meus bisavós desejavam um lugar menor ainda. Eu desejo o Rio de Janeiro. Parece que é uma herança que se passa de pai para filho, a arte de olharem o mundo através dos olhos de seus filhos. Pelo menos é assim que deveria ser.

Mas eu ainda consigo desejar um fato de volta por minha mãe. A enorme vontade que eu sinto de entregá-la à Paris. Levando-a do meu lado no assento da janela do avião, para enxergar as alturas e sentir que não está morrendo, mas voando. Segurando minha mão como seu a estivesse puxando através do ar. Pousando os pés, e sentindo os pelinhos da nuca arrepiando quando a aeromoça que parece Amélie Poulain sussurrasse um "bienvenu" em seus ouvidos. Sentindo o cheiro da Europa; o frio do inverno, mas o calor de Paris. Minha mãe está no Paraíso. A consigo ver sorrir. E eu estou no paraíso. Ali consigo sentir uma verdadeira felicidade. O quanto eu lutei para ver raiar este caro sorriso!