Um dia vou dar Paris à minha mãe. Desde a minha infância
recordo-me de cenas dela imaginando como é o cheiro de lá. Ela ouve os carros
de Paris passando debaixo do Arco do Triunfo, sente seus pés cansados de tanto
andar pelos corredores da clássica coleção do Louvre. Se imagina dando rodas,
olhando as árvores de lá, as madames, os músicos na esquina tocando
"Berceuse" (mesmo que ela nunca tenha ouvido Berceuse). Ela se
imagina sendo obrigada a pronunciar um bom Merci Beaucoup nos grandes restaurantes
da alta culinária, comendo ratatouille e bebendo um bom vin. Ahhh, como ela sonha. Desde
criancinha eu lembro dela falando de Paris pra mim. Lembro até o dia que ela
pediu folga pro trabalho para assistir "Passaporte Para Paris"
comigo.
O problema é
que minha mãe na verdade não quer ir para Paris. Ela morre de medo de avião.
Acha que vai olhar as nuvens e desmaiar achando que o céu está caindo em cima
dela. Tem fobia de altura. Ao mesmo tempo ela vai que não vai para Paris porque
se acha indigna de se dar ao luxo de viajar para o exterior. Algo em sua alma
se encravou desde a mocidade, um estigma que a diz no ouvido que ela nasceu
para viver pelos filhos. Ela não quer ir para Paris, mas quer que seus filhos consigam ir para Paris. Desde aquela propaganda que
entoava "os seus avós fizeram tudo que puderam para dar aos seus pais
aquilo que eles não tiveram...os seus pais fizeram..." ela não
conseguiu retornar ao estado de antes. Fará tudo que puder pela para mandar sua prole, e
mais ainda.
Mas os filhos não
querem ir para Paris. Assim como os seus avós também não queriam ir para Paris.
Meus avós queriam ir para Salvador, e conseguiram (ou tentaram ao máximo) mandar
meus pais para lá. Meus bisavós desejavam um lugar menor ainda. Eu desejo o Rio
de Janeiro. Parece que é uma herança que se passa de pai para filho, a arte de
olharem o mundo através dos olhos de seus filhos. Pelo menos é assim que
deveria ser.
Mas eu ainda
consigo desejar um fato de volta por minha mãe. A enorme vontade que eu sinto
de entregá-la à Paris. Levando-a do meu lado no assento da janela do avião,
para enxergar as alturas e sentir que não está morrendo, mas voando. Segurando
minha mão como seu a estivesse puxando através do ar. Pousando os pés, e
sentindo os pelinhos da nuca arrepiando quando a aeromoça que parece Amélie
Poulain sussurrasse um "bienvenu" em
seus ouvidos. Sentindo o cheiro da Europa; o frio do inverno, mas o calor de
Paris. Minha mãe está no Paraíso. A consigo ver sorrir. E eu estou no paraíso. Ali
consigo sentir uma verdadeira felicidade. O quanto eu lutei para ver raiar este
caro sorriso!