terça-feira, 20 de março de 2012

Ciclo II - (H)um ano

Gostaria de dar um parabéns para a nossa música. No início eu carregava uma partitura em branco. Havia apenas lá a clave, pronta para dar início ao concerto, as linhas para dar ordem, mas faltavam todas as outras notas. Não havia um Mi sequer. Tudo estava mudo. Eu cantava, assobiava, gritava. Mas não conseguia ouvir nem meu próprio barulho. Era um sabiá sem canto. Um Beethoven sem o seu piano. Então eu te vi e tentei chamar seu nome. Pra minha surpresa, foi a primeira vez que ouvia algum som em tempos. E você veio ao meu chamado. E a melodia veio junto. De início bem baixinho, com apenas alguns Hertz. Mas não demorou para essa melodia berrar até o fundo de minha alma. Em você achei meus Dós, meus Fás, minhas sete e tantas outras notas que existirem. Minha orquestra foi um sucesso. Batidas aqui, graves ali, agudos acolá. E você era o maestro, coordenando todo esse conjunto sonoro para uma unica partitura, linear e sublime.

Mandarei também um beijo para nosso livro. Este que foi escrito pela nossa própria história. Apenas nós entenderemos a leitura dele. As páginas estão escritas ora horizontal, ora vertical, ora diagonalmente, ora com tinta invisível. Louco e sem sentido, como nós. Para quê buscar sentido em tudo, como você mesmo fala? Temos nós mesmo sentido? Que importa? Cá estamos com uma pena na sua mão e um nanquim na minha, prontos para começarmos um novo tomo de uma mesma saga.

Declamarei um ode para as nossas pinturas. Se seus olhos chorarem tinta e pintarem tristezas, eu cuspirei solvente e as apagarei. Pintarei flores na sua barriga. Desenharei sementes em seu umbigo, e o cobrirei de terra, para que ali nasçam suculentos frutos. Nossa arte é surrealista, daquelas mesma com elefantes voadores e tigre saindo da boca de tigre. Mas nos cobrimos com o lençol, acendemos a lanterna e criamos esse mundo irreal para nós mesmos, totalmente alheio às atrocidades. Nesse mundo não há nada nem ninguém, exceto você. Você. Você.

E quando abrimos os olhos, e nos separamos, me sinto um artista. Com minhas canetas e minha aquarela agora cheia de cores, pinto a nossa cena. Escrevo a nossa história. Danço a sinfonia. Lembro das nossas viagens. Viajo até a lua, e de lá te trago um pedaço de queijo. E você fica na janela, rindo porque me viu apontar no horizonte e roendo as unhas esperando os segundos que faltam para correr para os meus braços e montarmos um novo poema.