Se as palavras mentem, eu vos digo: os olhos também. A boca engana em
proferir vocábulos de tranquilidade, de constância e esmero. Os olhos
enganam ao insistirem em permanecer tão secos quanto o estado da alma a
que serve de espelho. Por eles saem olhares de camuflagem, para esconder
do mundo a fragilidade da pessoa em questão; saem olhares de cansaço,
ante ao tempo desprovido de eventos fascinantes que os façam brilharem
de fascinação; saem olhares sem vida, para evitar indagações e interesse
de terceiros. Só não saem as lágrimas.
E é neste ponto
que os olhos incitam a sua pegadinha e enganam os outros. O público clama pelas lágrimas. Elas revelariam o furo do poço de insensibilidade que os olhos deixam transparecer. Levaria a um auge de tristeza, trazendo a tempestade que antecede a bonança. Iria levar embora as coisas sujas, ficando apenas os remorsos e a vontade de consertar as coisas. Renovaria as esperanças perdidas de haver uma mina de sensibilidade por trás de toda a aparente frieza.
Mas não é o que acontece. Os olhos são, além de mentirosos, orgulhosos. Já até se esqueceram de como é chorar. A aparência
continua fria e indiferente, aos olhos dos outros, como uma armadura
externa que protege o mundo exterior do espírito colidente e
contraditório que ali jaz. Enquanto os olhos não choram, nunca há a real
certeza de que algo está errado. A fonte seca, as lágrimas petrificam
juntamente com o coração, e todo o resto continua em enganação. E assim
corpo e mente continuam no inútil jogo de fingir pro mundo que tudo está
bem.
Sincero é o corpo, que pede cama quando se depara
com mais um dia cinzento e rotineiro, já sabendo que não terá energias
para suportar aquilo mais uma vez. Sincero é o sono, que pede sonhos
como escape quando o mundo te decepciona. Sinceros são os braços, que
permanecem quietos e sem expectativas quando percebem que não há pessoas
ao redor para um revitalizante abraço. Sinceras são as cicatrizes,
externas ou internas, que cantam constantemente a sinfonia de dor
passada, te impedindo de cair no conto dos velhos erros. Sinceros são os
outros, que se calam e fingem ler nos seus olhos alegria e satisfação.
E quem mais mente na história é você mesmo.
Se olha no espelho, diz que naquele dia tudo será diferente, que você
sair de casa, sentir o calor do sol e se alegrar com isso, vai rever velhas pessoas e elas lhe trarão o conforto que você precisa; mas aí se
lembra que não gosta de sol e que as pessoas trarão cobranças, conflitos
e julgamentos no lugar de interesse . Então qual é o sentido?
Sinceridade no corpo e mentira nos olhos, melhor continuar se escondendo do mundo mesmo. Com pesar, porém sem lágrimas.
Não prenda sua dor. Deixe-a correr, livre, leve e solta, para que ocorra a transmutação do que já foi dor um dia.
ResponderExcluirviver é periclitante querido.
viver, dá dessas coisas.