Haverá o dia em que abrirá para
mim um espaço no meio de tal densa névoa para deixar passar os raios de sol que
me curarão da cegueira histérica a qual fui acometido e acostumado. Não
precisarei mais tapar o rosto para me proteger da saraiva, pois este será o dia
de minha redenção e festejado apenas com paz. Livre dos medos dos caminhos
foscos, e certo quanto ao incerto, pingarei o ponto final de meu prólogo para
começar a escrever a primeira frase do primeiro capítulo da saga que hei de
clamar como minha. Nesse tempo, ascenderei ao topo, despido e limpo da fuligem
que se acumulou no bolso do meu viver, pois não mais me preocuparei em carregar
os fardos de ter que ser; apenas em ser.
Até lá, eu vou rolando em queda
livre; aceitando a decadência; arruinando meu corpo; despetalando meu futuro;
ignorando os meus amparos; rejeitando as mãos estendidas; desdenhando de minha
matéria; dormindo com hostis; colecionando contradições; omitindo opiniões; me
disfarçando de pessoa em pessoa como em um show de máscaras, esquecendo no meio
do trajeto qual delas é a minha de nascência. O corpo encontra-se em dormência,
e a alma em rigidez.
Chegará o dia em que virá até mim
em forma de homem a pele quente que trará junto um calor como se fosse o
próprio sol, que derreterá os meus anseios juntamente com o gelo desse aposento
frio que se formou e eneva
a minha alma. Tocarão nas minhas linhas mãos enrugadas e calejadas de tanto
trabalhar e viver em cima das experiências dessa vida que mais mata que
felicita, mas ao mesmo tempo serão mãos que oferecem conforto e paciência para
um espírito banhado de inquietude e que transborda pela boca desconfiança na
vida real e ilusões de um futuro melhor, mesmo sabendo que a ideia em si já
pode ser considerada uma ilusão. Nessa hora, perderei o medo adquirido por
ilusões, pois não mais temerei estar vivendo uma coisa real.
Enquanto isso, continuarei
optando por trilhar os caminhos pedregosos; aprendendo mais coisas ruins que
boas; tapando os ouvidos, fechando os olhos, e me calando diante da razão; despaginando
as chances; desassinalando as opções; limitando as escolhas; cavando minha
caverna; me escondendo do mundo; desvencilhando de terceiros; escolhendo sempre
um novo costume ao sair à vista dos demais, esquecendo no meio do caminho como
é estar nu e livre do peso de ter que ser alguém. O corpo está em letargia, e a
alma em frigidez.
Nenhum comentário:
Postar um comentário